Acidente da Chapecoense e a importância da Psicologia em Situações de Emergências e Desastres.

By | 21:12 Leave a Comment

Intervenção da Psicologia em Situações de Emergências e Desastres.



      
   
                        Acredito que, assim como eu, muitos profissionais da psicologia sequer tenham ouvido falar que existe um seguimento da profissão focado na intervenção de situações de crise coletiva provocadas por situações de emergência e desastres naturais e/ou provocados (como no caso do rompimento da barragem de Mariana ocasionado pela Mineradora Samarco). Dessa forma, nesse artigo trataremos, de forma geral e apenas informativa, sobre o tema da Psicologia em Situações de Emergências e Desastres, buscando compreender como surgiu, onde atua e principais linhas de intervenção. 

                       A queda do voo na Bolívia que transportava o time da Chapecoense e vitimou 71 pessoas, dentre elas quase todo o time brasileiro, reacendeu em mim, acredito que também em muitos estudantes e colegas da área, o interesse de compreender melhor o papel da Psicologia em Situações de Emergências e Desastres. Muito embora a tragédia que enlutou a cidade de Chapecó tenha me inquietado inicialmente muito mais pela questão da dissolução e espetacularização da morte pela mídia brasileira, em um segundo momento passei a sentir que era necessário ir além do sentimento de pesar que tende a ser rapidamente esquecido, e, a partir do sentimento de empatia que me tomava, refletir sobre a minha responsabilidade enquanto profissional de psicologia no apoio à pessoas em situação de crise coletiva.

 ____________A primeira questão que me veio à mente sobre o tema foi a relação inversamente proporcional entre o meu quase total desconhecimento sobre o tema em contraposição à sua indiscutível relevância. Explico melhor – por que esse tema, apesar de tão importante, sequer foi mencionado durante os cinco longos anos da minha graduação? Na verdade, o primeiro contato que tive com o assunto foi em um encontro promovido pelo Conselho Regional de Psicologia de Pernambuco (CRP – PE) aqui em Recife, aonde houve a apresentação do tema da intervenção psicológica em situações de emergências e desastres. Lembro ter chegado àquele evento sem a mínima ideia do que se tratava. Assim que entrei no auditório, a palestrante (não lembro quem) falava sobre os danos psicológicos resultantes da tragédia de Goiânia conhecida como caso Césio – 137 de 1987, o que de imediato já despertou meu total interesse. Na época em que ocorreu o encontro, meados de 2011, o Brasil ainda não tinha enfrentado nem o incêndio da boate Kiss nem a o deslizamento da barragem de Mariana e mesmo assim o tema já era ali considerado como urgente para a psicologia.   

“Os avanços tecnológicos, a capacidade humana de construir, mas também a de destruir provoca, com maior ou menor freqüência, sérias alterações na vida das pessoas que se vêem afetadas por uma situação de crise ou de emergência. Algumas dessas circunstâncias golpeiam com tanta violência o estado de equilíbrio de pessoas, famílias e até de uma sociedade inteira, que deixam no seu lastro perdas humanas, materiais e mudanças situacionais extremamente traumáticas [sic]. (Sá, Werlang e Paranhos 2008)”.

 ____________Em janeiro de 2013 quando aconteceu o incêndio da boate Kiss, a mídia entrevistou várias (os) profissionais de psicologia que atendiam voluntariamente pessoas que haviam perdido familiares no incêndio. Em função das características do ocorrido, o cenário com que se deparavam as (os) psicólogas (os) era bastante caótico já que havia ali mães e pais que perderam seus filhos, recordo ainda do relato de uma mãe que havia perdido todos os seus (três) filhos na tragédia. Na época o Conselho Federal de Psicologia emitiu vários comunicados recrutando psicólogas(os) voluntárias(os) para receberem capacitação específica e atuarem na assistência aos familiares e vítimas do incêndio já que o número de profissionais com experiência ou formação para atuar naquele tipo de situação era quase nulo. Uma das coisas que chamou minha atenção na época foi que durante a cobertura midiática da tragédia eram repassados apelos para que profissionais de saúde comparecessem ao local do incêndio para prestar atendimento aos parentes das vítimas. Eram recrutados profissionais de enfermagem, medicina, assistência social, mas a ênfase dos apelos era para nós da psicologia. Acredito que o fato de o dano de maior magnitude nesse caso ter sido diretamente sobre a vida das vítimas acabou escancarando a importância que tem a psicologia em situações extremas de emergência, o que era até então praticamente desconhecido já que os desastres geralmente envolvem feridos e a urgência maior é sempre a dos cuidados médicos.

 ____________A Psicologia das Emergências e Desastres pode ser definida como o campo da Psicologia que estuda:
O comportamento das pessoas nos incidentes críticos, acidentes e desastres, desde uma ação preventiva até o pós-trauma e, se for o caso, subsidia intervenções de compreensão, apoio e superação do trauma psicológico às vítimas e aos profissionais  (BRUCK, 2009, p. 8 [2]).

 ____________Mas afinal, o que são situações de emergência ou desastres? Basicamente são eventos de grande magnitude, produzidos por causas naturais (furacões, tsunamis, enchentes, etc.) ou não naturais (guerras, ataques terroristas, etc.), em que a integridade física e emocional das pessoas é colocada em risco. Nessas situações sempre nos deparamos com sujeitos em estado crítico de crise. “Crise” pode ser compreendida aqui como um estado de desequilíbrio emocional em que a pessoa é ou se percebe incapaz de sair com seus próprios recursos egóicos. Nesses casos o auxílio externo é decisivo para que haja superação da crise.

“O desastre é um fenômeno que – do ponto de vista individual e coletivo – nos atravessa, nos arrebata, nos excede: não nos permite alcançá-lo totalmente, dá-se como um algo para além do que é possível pensar e representar naquele momento, exigindo um tempo e uma distância para ser, talvez, compreendido e elaborado. Nomeia-se como desastre aquele tipo de acontecimento trágico que é, por definição, coletivo, que envolve uma comunidade e/ou uma localidade (Weintraub et al., 2014)”.

 ____________As intervenções da Psicologia em situações de Emergência e Desastres (ED) podem ser imediatas, de médio e de longo prazo. No caso das intervenções imediatas, que ocorrem logo nas primeiras horas após a situação de ED, são feitas intervenções em crise podendo haver intervenção multi/interdisciplinar e uso de medicações ansiolíticas se necessário. Em médio prazo as intervenções envolvem as psicoterapias breves (breve focal, breve dinâmica, etc.) que visam apenas apoio imediato e em alguns casos a supressão de ansiedade ou angústia e às intervenções de longo prazo correspondem as psicoterapias de tempo indeterminado que podem se estender por anos.

 “O processo de crise pode advir de eventos catastróficos ou desastres produzidos por causas naturais; por acidentes ou, ainda, por situações diretamente provocadas pelo homem como nos casos de violência interpessoal. Em todas essas situações a integridade física e/ou emocional das pessoas está ameaçada. A intervenção em crise é um método de ajuda indicado para auxiliar uma pessoa, uma família ou um grupo, no enfrentamento de um evento traumático, amenizando os efeitos negativos, tais como danos físicos e psíquicos, incrementando a possibilidade do crescimento de novas habilidades de enfretamento reforçando a busca de opções e perspectivas de vida (Sá, Werlang e Paranhos, 2008)”.

A Intervenção em Crise pode ter diversas abordagens, algumas envolvem:

a) Estabelecimento de contato psicológicoNós psicólogas(os) sabemos bem que tão importante quanto o domínio técnico e teórico da psicologia é o exercício da empatia. Parte do processo de alívio da dor que ocorre em nossos consultórios é relacional e advém do rapport[1] e do acolhimento que só são possíveis se mediados por um sentimento autêntico de empatia.

b) Análise do problema: identificar quais conflitos ou problemas necessitam intervenção imediata e quais devem ser encaminhados para intervenções futuras

c) Analise das soluções: analisar a viabilidade de possíveis soluções

d) Seguimento para verificar o progresso: colaborar com o reestabelecimento de das redes de apoio social que podem estar prejudicadas em situações de desastres, ex.: manutenção do contato por meio de encontros ou telefonemas, grupos de apoio, criação de redes solidárias, etc.

Veja o que fazer e o que não fazer nos primeiros atendimentos psicológicos[2].



 ____________No Brasil o campo de estudos sobre psicologia em situações de emergências e desastres ainda é bastante recente. Em 2011, durante a realização do IIº Seminário de Psicologia de Emergências e Desastres, foi formalizada a fundação da Associação Brasileira de Psicologia de Emergências e Desastres – ABRAPEDE [3]. Sendo seu objetivo tornar-se uma organização capaz de reunir e representar os profissionais interessados no debate e construção de iniciativas relacionadas ao tema: Psicologia de Emergências e Desastre. Dentre outros objetivos, a ABRAPEDE se empenha em promover mudanças na sociedade que busquem atenuar o sofrimento originado por emergências e desastres e gerar cuidados às pessoas, comunidades, órgãos, instituições e entidades de respostas, envolvidos ou afetados por qualquer tipo de emergência ou desastre, buscando estratégias para contribuir, acompanhar e interferir no desenvolvimento das políticas públicas ligadas ao tema[4].

 ____________Pelo que pude levantar em minhas pesquisas sobre o tema, a ABRAPED tem desenvolvido suas ações em parceria com os Conselhos Federal e Regionais de Psicologia como ocorreu no caso da boate Kiss em 2013 (ver documento)[5]. No entanto, o maior avanço da psicologia no tema Emergência e Desastres (ED) tem sido o incentivo à produção acadêmica na área, o desenvolvimento de pesquisas sobre ED e organização dos seminários que debatem a Psicologia de Emergências e Desastres. Considerando que a institucionalização desse campo da psicologia é ainda muito recente, a produção de conteúdo na área parece ser bastante resumida e merece ser incentivada tendo em vista sua relevância social.

 ____________Uma iniciativa interessante é o curso gratuito da plataforma OrientaPsi “Psicologia da Gestão Integral de Riscos e Desastres”. Os cursos exclusivos do OrientaPsi são oferecidos pelo Conselho e parceiros por meio de metodologia e-learning, abordando temas diversificados sobre Psicologia, todos divididos em módulos multimídia. Acesse gratuitamente, o cadastro é feito com o seu CRP: http://orientapsi.cfp.org.br/

 ____________Por fim, é bom lembrar que para trabalhar com a psicologia em situações de emergência é necessário ir além do domínio técnico, é importante que haja motivação interior e, principalmente, preparo emocional, já que nesse tipo de situação a(o) psicóloga(o) terá de lidar com situações extremas de desamparo e vulnerabilidade.  


Relembre algumas das principais situações de desastre vividas no Brasil



A tragédia de Goiânia conhecida como caso Césio – 137 de 1987



O acidente com o césio-137 foi uma das maiores tragédias já vividas no Brasil ocorrida em 1987 no estado de Goiás, há 29 anos. É considerado o maior acidente radiológico do Brasil e um dos maiores do mundo, e equiparada às tragédias nucleares de Chernobyl[6], na antiga URSS, atualmente Ucrânia em 26 de abril de 1986 e Fukushima, Japão em 11 de março de 2011.

Incêndio na boate Kiss



O incêndio na boate Kiss foi uma tragédia que matou 242 pessoas e feriu 680 outras na cidade de Santa Maria (Rio Grande do Sul) na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013. A tragédia foi provocada por imprudência e más condições de segurança

Rompimento de barragem em Mariana 2015 [7]



O rompimento da barragem de Fundão é considerado o maior desastre socioambiental da história brasileira e o maior do mundo envolvendo barragens de rejeitos. A lama contaminou a bacia hidrográfica que abrange 230 municípios dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Ambientalistas estimam que os efeitos dos rejeitos no mar continuarão causando danos e prejuízos, no mínimo, pelos próximos 100 anos. Além de ter vitimado 18 pessoas, os danos provocados pelo acidente incluem a destruição de Bento Rodrigues; aumento da turbidez das águas do rio Doce, com impactos no abastecimento de água em cidades de Minas Gerais e Espírito Santo, danos culturais à monumentos históricos do período colonial, e também à fauna e à flora na área da bacia hidrográfica, extinção de espécies endêmicas, prejuízos à atividade pesqueira e turismo nas localidades atingidas.


________________________________________
Fontes:


NOTA TÉCNICA SOBRE ATUAÇÃO DE PSICÓLOGA(O)S EM SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIAS E DESASTRES, RELACIONADAS COM A POLÍTICA DE DEFESA CIVIL  

SA, Samantha Dubugras; WERLANG, Blanca Susana Guevara; PARANHOS, Mariana Esteves. Intervenção em crise. Rev. bras.ter. cogn.,  Rio de Janeiro ,  v. 4, n. 1, jun.  2008 .   Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-56872008000100008&lng=pt&nrm=iso

Weintraub, Ana Cecília Andrade de Moraes; Noal, Débora da Silva; Vicente, Letícia Nolasco; Knobloch, Felícia. Atuação do psicólogo em situações de desastre. Interface. 2014. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/icse/2015nahead/1807-5762-icse-1807-576220140564.pdf

Farias; Scheffel; Junior. ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NAS EMERGÊNCIAS E DESASTRES. Disponível em: http://www.abrapede.org.br/wp-content/uploads/2013/01/Atua%C3%A7%C3%A3o-do-Psic%C3%B3logo-nas-Emerg%C3%AAncias-e-Desastres.pdf







[1] Rapport é um conceito originário da psicologia que remete à técnica de criar uma ligação de empatia com outra pessoa. O termo vem do francês rapporter, cujo significado remete à sincronização que permite estabelecer uma relação harmônica.
[2] Extraído de: Farias; Scheffel; Junior. ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NAS EMERGÊNCIAS E DESASTRES. Disponível em: http://www.abrapede.org.br/wp-content/uploads/2013/01/Atua%C3%A7%C3%A3o-do-Psic%C3%B3logo-nas-Emerg%C3%AAncias-e-Desastres.pdf
Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial

0 comentários: