Psicologia e a quebra de sigilo profissional em casos de violência contra a mulher

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Nota técnica de orientação profissional em casos de violência contra a mulher: casos para a quebra do sigilo profissional.

Muitas dúvidas envolvem o atendimento psicológico em casos de violência contra a mulher. Em parte isso se deve às muitas lacunas do processo formativo em psicologia no Brasil. Uma das questões nevrálgicas no atendimento desses casos é sobre quando deve haver a quebra do sigilo profissional. Tendo em vista elucidar a questão, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) elaborou uma nota técnica que orienta psicólogas/os quanto a quebra de sigilo especificamente nos casos que envolvem violência contra mulher. O documento surgiu a partir de uma iniciativa do Ministério Público do Distrito Federal, em parceria com representantes dos Conselhos Federais de Psicologia, Medicina, Serviço Social e Enfermagem, tendo por objetivo elaborar uma minuta de resolução em comum que norteasse a questão da quebra de sigilo, por parte desses profissionais.

Apesar dos números atualmente disponíveis sobre a violência já serem altamente alarmantes, estima-se que eles podem ser ainda maiores, já que há o problema crônico da subnotificação de casos que envolvem violência no Brasil. Ou seja, apesar de se constituir enquanto problema extremamente grave, no Brasil ainda não existe um levantamento estatístico exato sobre a ocorrência e prevalência da violência contra mulher. O problema da subnotificação, entre outros agravos, impede a identificação exata das regiões com maior ocorrência de casos de violência e como consequência prejudica o desenvolvimento de ações de prevenção melhor direcionadas.
     
Considerando que a questão da violência contra mulher tem atingido patamares epidêmicos e que é, portanto, um problema de saúde pública, o documento do CFP parte do princípio de que é dever da Psicologia mover esforços no sentido de atuar favoravelmente à construção de uma sociedade mais equânime e menos violenta às mulheres. Assim sendo, a (o) profissional de psicologia deverá, conforme prevê o documento elaborado pelo CFP, notificar às autoridades responsáveis sobre a ocorrência de casos que envolvem violência contra mulheres, seja no âmbito da saúde publica ou em consultório particular.
   
No entanto, é necessária a ressalva de que a quebra de sigilo prevista pelo CFP só deverá acontecer quando há risco iminente de feminídio. Isto é, apenas quando constatado o risco à vida da mulher em situação de violência.

Há dois tipos de notificação previstas pelo documento, são elas:

Notificação compulsória: É obrigatória e deverá ocorrer em todos os casos em que esteja caracterizada a ocorrência de violência contra mulher, seja ela qual for (independentemente de sua tipificação – violência física, psicológica, sexual, etc.). Conforme previsto na Lei Federal nº 10.778 de 24 de novembro 2003, a notificação é responsabilidade de psicólogas/os e demais profissionais de saúde que atuam em todo o território nacional, tanto em serviços de saúde públicos quanto privados. A notificação compulsória é extremamente importante, dada sua finalidade epidemiológica.

A notificação tem fins epidemiológicos e segue um processo interno dentro da Saúde Pública, servindo para a construção de perfis pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação-SINAN, os quais serão utilizados na construção de políticas públicas mais eficazes. Ou seja, é necessário conhecer minuciosamente como ocorre, a incidência e o perfil da vítima de violência para construir intervenções específicas que atendam à demanda do fenômeno. Ao não notificar, o psicólogo torna-se omisso frente a uma demanda de grande magnitude em nosso país, qual seja a da participação na construção de uma sociedade pautada em menor violência contra as mulheres.
Para proceder à notificação a (o) profissional deverá se municiar da ficha de notificação, que está disponível em todos os serviços de saúde pública e, no caso de atendimento particular, pode ser baixado diretamente no site do Ministério da Saúde (http://portalsinan.saude.gov.br/) e ser entregue/ encaminhada para a vigilância epidemiológica de seu município (buscar no Google).

O segundo tipo de notificação é a Comunicação Externa, que é um pouco mais delicada e requer uma avaliação ampla da questão por parte da (do) profissional de psicologia. É recomendável que a (o) profissional mantenha diálogo junto ao CRP em que esteja inscrito e que conheça minimamente a Rede de Enfrentamento à Violência Contra Mulher disponível em sua região (centros de referência, casas abrigo, delegacias, varas especializadas e etc.). Caso a (o) profissional desconheça os dispositivos da Rede em seu município poderá ligar para a Central da Mulher – 180, e obter orientação.

Segundo o CFP: 

Comunicação externa: se constitui como denúncia e, diferentemente da notificação, que segue um procedimento interno, é enviada para o exterior dos serviços de saúde e aciona a Polícia, a Justiça e o Ministério Público. A comunicação externa pode ocorrer com o consentimento ou sem o consentimento da mulher vítima de violência. Com o consentimento é quando a mulher está impossibilitada de fazer a denúncia e assina um termo de autorização para que o psicólogo faça a comunicação. A comunicação externa sem o consentimento da paciente configura quebra de sigilo profissional. Estes casos são os que mais preocupam os profissionais de psicologia, todavia, eles configuram uma exceção, mas nem por isso devem ser esquecidos como possibilidade importante no caso de atendimento a qualquer mulher em situação de violência.

Apesar de já mencionado, lembramos que a comunicação externa deve ser feita APENAS em situações em que a vida da mulher corra sério risco ou ainda a de seus filhos ou de pessoas próximas.

Nos casos em que não haja risco iminente de morte/feminicídio, a (o) psicóloga (o) deve trabalhar de modo a fortalecer a mulher, favorecendo seu empoderamento, oferecendo ferramentas para que ela retome sua autonomia. A (o) profissional deve focar sua atuação:

No acolhimento, orientação e fortalecimento da autonomia dessas mulheres e, somente em situações de extrema vulnerabilidade e risco de vida, fazer a comunicação externa. Semelhantemente aos casos de tentativa e ideação suicida, o objetivo maior é a preservação da vida da paciente/cliente.

A seguir, trecho da nota técnica de referencia do CFP:

Nos casos de sério risco de feminicídio, o profissional psicólogo deve quebrar o sigilo profissional e realizar a comunicação externa, bem como acessar os serviços disponíveis na rede para dar suporte a esta mulher, tendo como propósito maior preservar e proteger sua vida. Os fatores indicativos de risco de feminicídio são:

I – gravidade concreta da violência noticiada (exemplo: facada, paulada, tiro, tentativa de enforcamento ou afogamento, etc.); ou

II – violência física grave e crônica associada a uma passividade ou dificuldade da mulher em romper a situação de violência; ou

III – presença de fatores de risco de violência grave ou letal, tais como: a) aumento da frequência ou intensidade da violência em período curto de tempo; b) transtornos mentais graves na mulher; c) indicativos de transtornos mentais no agressor, com sintomas maníacos ou psicóticos, ideação suicida, alcoolismo ou dependência de drogas, transtorno de personalidade marcado por problemas com o controle da raiva, impulsividade e instabilidade; d) acesso a arma de fogo pelo agressor; e) histórico de violências graves anteriores pelo agressor contra a mulher, seus filhos, outras pessoas ou animais; f) dependência econômica ou emocional da mulher em relação ao agressor; g) gravidez ou lactância da mulher nos últimos 18 meses; h) mulher isolada de rede social; i) separação ou tentativa de separação recente da mulher em relação ao agressor; j) conflitos relacionados à guarda de filhos, pensão ou partilha de bens; l) comportamento controlador, perseguidor, ciumento ou obsessivo do agressor; m) agressor possui instabilidade profissional ou está desempregado; n) ameaças de morte à mulher; o) mulher com grave receio de agressões futuras. 



Para acessar diretamente a FICHA DE NOTIFICAÇÃO INDIVIDUAL acesse: http://portalsinan.saude.gov.br/images/documentos/Agravos/via/violencia_v5.pdf

Íntegra da LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm

O Conselho Federal de Psicologia também publicou dois vídeos em seu canal no YouTube que podem ajudar na compreensão e conscientização das notificações: 
   


Luciana Carvalho

Psicóloga (Uninassau) e Mestre em Psicologia Social (UFPE). Possui experiência no atendimento a mulheres em situação de violência. Palestra sobre gênero, feminismo e violência contra mulher. É autora de pesquisas sobre intervenção psicológica em casos de violência contra mulheres.


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